"O rouge virou blush. O pó-de-arroz virou
pó-compacto. O brilho virou gloss. O rímel virou máscara incolor. A
Lycra virou stretch. Anabela virou plataforma. O corpete virou
porta-seios. Que virou sutiã. Que virou silicone. A peruca virou
aplique… interlace… megahair… alongamento. A escova virou chapinha.
‘Problemas de moça’ viraram TPM. Confete virou MMs. A crise de nervos
virou estresse. A purpurina virou gliter. A tanga virou fio dental. E o
fio dental virou anti-séptico bucal. Ninguém mais vê: O à-la-carte
porque virou self-service. A tristeza agora é depressão. O espaguete
virou miojo pronto. A paquera virou pegação. A gafieira virou dança de
salão. O que era praça virou shopping. A areia virou ringue. O LP virou
CD. A fita de vídeo é DVD. O CD já é MP3. É um filho onde eram seis. O
álbum de fotos agora é mostrado por e-mail. O namoro agora é virtual. A
cantada virou torpedo. E do ‘não’ não se tem medo. O break virou street.
O samba, pagode. O carnaval de rua virou Sapucaí. O folclore
brasileiro, halloween. O piano agora é teclado, também. O forró de
sanfona ficou eletrônico. Fortificante não é mais Biotônico. Polícia e
ladrão virou Counter Strike. Fauna e flora a desaparecer. Lobato virou
Paulo Coelho. Caetano virou um pentelho. Elis ressuscitou em Maria Rita.
Raul e Renato. Cássia e Cazuza. Lennon e Elvis. A AIDS virou gripe. A
bala antes encontrada agora é perdida. A violência está maldita. A
maconha é calmante. O professor é agora o facilitador. As lições já não
importam mais. A guerra superou a paz. E a sociedade ficou incapaz. De
tudo. Inclusive de notar essas diferenças."
- Luís Fernando Veríssimo.